quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Sujeira que se acumula

Limpar o armário da cozinha não foi fácil.
Eu pensei que seria tão simples quanto limpar em cima da geladeira, uai. As duas coisas são superfícies, ficam acima da linha de visão (de pessoas que não jogam basquete profissional), seria tranquilo.
Pensei.
Mas, depois de começar até que com certa empolgação a tirar a camada de pó acumulada em cima da geladeira com uma certa facilidade, usando apenas um único paninho úmido e detergente neutro, em instantes eu tava satisfeito com o branco da eletrolux dando as caras novamente após um período de poeiras e tempo seco que Ribeirão Preto proporciona tão bem durante o inverno do Tropical.
Bom, cheguei ao andar de cima, os armários. Ali a sujeira já vinha se acumulando há mais tempo, fazia uns bons meses que lá só recebia poeira, gordura, resto de insetos e nenhuma atenção, nenhum olhar.
Porém, apesar da camada de uma mistura nojentinha, viscosa e quase preta, eu ainda estava otimista com a limpeza, porque achava que seria quase como nos comerciais da televisão: só uma borrifadinha e pronto! Estaria tudo lá no pano depois de uma leve passada, enquanto a superfície de madeira (que um dia foi branca, então hoje é aquele creme-branco sujo) ficaria limpinha como nova.
Ledo engano.
A realidade deste meu intercâmbio relâmpago ao país dos serviços domésticos foi sentir uma mistura de desânimo e vergonha.
Desânimo por constatar o trabalho que iria dar em tempo e esforço. Minhas equações porcas acharam que limpar uma área um pouco maior que a da geladeira seria, então, um pouco mais difícil.
Foi muito mais difícil.
A começar pelo lugar, que era bem alto. Comecei tranquilamente usando um banquinho, terminei xingando a escada, que não me permitia alcançar bem os cantos onde o armário encontra duas paredes.
Este foi o desânimo. A vergonha veio por pensar na minha mãe, que além de saber fazer muito melhor (humilde e humilhantemente melhor), foi quem sempre fez esse trabalho. E eu, com braços mais fortes, longos e estatura relevantemente mais adequada praquilo, até então, nunca havia me proposto a limpar os oito balcões de armário daquela cozinha.
Fiquei imaginando quantas coisas além daquela eu não sabia que eram tão trabalhosas. Pensei nas dores musculares de esfregar repetidamente, nas costas esforçadas em posições esquisitas, no tempo gasto com coisas que voltarão a dar muito trabalho em poucos dias e, também, na preguiça em fazer essa matemática do capiroto: o tempo que se gasta em manutenção das coisas mais essenciais dentro de uma casa parece ser exatamente a metade de um dia inteiro, que poderia (deveria!) servir de lazer e descanso.
Até aqui peço desculpas por mais este capítulo de "Confissões de Adolescente Burguês".
Mas, de tudo isso a reflexão foi muito válida, pois no meio da tristeza de um trabalho tão demorado e não prazeroso pude enxergar minha vida encrostada junto com toda aquela sujeira.
Eu tive uma boa lição em saber que acumular essas tarefas não é nada bom. Pelo contrário, manter o hábito humilde de uma limpeza constante ajuda a deixar nossa consciência também mais limpa, mais clara, mais brilhante.
Caso contrário, quando a gente deixa que problemas se acumulem - no caso gordura e pó - estas coisas se juntam e exigem um esforço maisque redobrado na hora de serem eliminadas. Por exemplo, minha mãe lavou a esponja várias vezes pra mim, com muita gentileza, ainda enquanto eu limpava os primeiros armários. E não foi suficiente. O tanto de gordura no móvel custou duas scott bright, dois perfex, uma escova de dentes, todos repetidamente lavados e enxaguados, além de muito desengordurante Veja.
Pensei nas técnicas de se abordar os problemas que a gente desenvolve e acumula, nas coisas deixadas de se falar pra outra pessoa, nos climões  que vamos acumulamos entre familiares, amigos, etc. Pensei na camada de gordura e sujeira que é acumular tretas, ignoradas em função do trampo que dão em serem resolvidas.
Porra, se eu soubesse antes o quanto é pior deixar acumular... talvez não teria sido tão simpático ou solícito em muitas vezes.
É claro que eu não seria um cavalo selvagem a distribuir coices toda vez que uma manchete estampasse notícia ruim, mas, eu saberia que fazer cara de bosta é extremamente necessário para "lavar roupa suja". Afinal, acho que mesmo os garis que sambam superbem, enquanto estão em serviço, não pensam no carnaval, mas em quantas malditas varridas faltam para poderem tirar o uniforme escroto e assistirem um pouco de TV.
Bom, hoje em dia não sei como tratarei meus problemas, mas que eu seja ranzinza e cuzão, nenhum desgaste físico de limpeza é tão prazeroso quanto ao que dá na academia. Nenhum desânimo de repetir o trabalho doméstico é recompensado com remuneração (quando é você que mora no lugar).
Então, que se foda a pose de vida pacífica e harmoniosa. Lavar, limpar é chato pra caralho. Nem a Giselle Bundchen deve render foto boa enquanto esfrega um chão. A Ivete não deve conseguir cantar bem uma música inteira durante toda uma faxina, porque com o tanto de energia que demanda, ou uma coisa ou outra. Mas, apesar disso tudo, é muito melhor ter um cu estampado no meio da cara enquanto sua casa tá limpa, do que ter de lidar com a merda amanhecida há meses de todas as cagadas do dia-a-dia com um look diva.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Vida de estrela

Eu já tive umas depressões bravas.
Quis muito me matar.
Fui salvo, em algumas vezes, pela minha loucura.
Em todas as outras, por família e amigos.
Daí fiz uma promessa pras energias toda poderosas que, ao mesmo tempo, esfacelava e me garantia a vida, que se me ajudasse a levantar do buraco onde eu tava - triste, sozinho e suicida -, eu iria me comprometer a virar uma estrela!
Não do rock, nem do cinema, mas do céu mesmo. Eu teria que desenvolver meu brilho, minha luz, além de uma energia descomunal.
Foi uma coisa de doido, um insight psicótico mas tenho certeza de que teve valor, porque não me esqueci e ainda tenho forte a memória dessa promessa/dívida de aprender a dar luz através das energias que gastasse.
Então, em um momento de pouco brilho, eu conheci uma estrelinha caída. Ela não dava conta de acordar cedo, porque tinha mais gosto pela badalação dos sinos noturnos, mas, pobrezinha, ainda era nova demais para entender o universo.
Era uma supernova, aliás, cor de champanhe. Gigante como todas elas.
E ainda não estava preparada para tanta gravidade que exerceria, por tantos planetas que haveriam de orbitá-la ainda.
Então, sua luz se dissipou para tudo quanto era galáxia, enquanto a maior vontade que tinha era de virar buraco negro. Tava ficando densa, escura e pesada, apesar de sua juventude cósmica.
Dava para entender a tristeza. Todos seus raios de luz eram muito puros, tinham calor e luz dignos de um corpo celeste, mas estavam sucumbindo por alguns buracos negros.
De repente, essa estrelinha preguiçosa contraiu um complexo de asteróide: ela se achava pior que poeira cósmica, achava que só prestava para dar calor, que ninguém contemplava o verdadeiro brilho de sua luz e outras coisas absurdas.
Ei, estrelinha - eu disse - gosto do seu brilho e sei que sua luz é linda. Tenho que me proteger da radiação de seus raios, pois meu corpo está viciado no seu calor tão latente!
A estrelinha, logo sorria e brilhava ainda mais, renovando um ciclo louco de fazer praticamente depende a quem recebe suas luzes, e causar desconforto em quem fica na penúria e no eclipse de sua sombra. Você não vai dar conta do sistema solar inteiro a todo momento, sua boba! Você também não tem culpa por quem usou da tua energia pra fazer coisas ruins, então fica tranquila com isso também! Azar deles.
Enfim, preciso retransmitir o recado que veio do compromisso que assumi.
Brilha muito e brilha sempre. Quem tem esse privilégio de ocupar lugar tão importante no espaço raramente lembra da solidão que é ver nossas estrelas-guia tendo que morar tão longe de nossas órbitas. É por isso que vamos nos preparando para sempre emanar o que há dentro de nós a tantos anos luz daqui. É, então, que nosso legado atravessa o infinito e inspira milhões de astros por anos e anos.
Fica calma, estrelinha, muita gente só daria conta do valor do seu brilho, da delícia do seu riso quando as luzes se apagassem. Mas, sempre que se apagam já é certo que, no outro dia, estaremos lá felizes por um novo e iluminado dia!



quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Extra Abismo

Extra Abismo é um título que se refere ao estrabismo, à vesguice e ao abismo, ao buraco fundo que ficam entre um ponto e outro da vida.

Quando eu era pequeno, tipo uns quatro, cinco anos aprendi as palavras estrabismo e hipermetropia. Teria que usar lentes cilíndricas acrílicas convergentes. Simpatizei com proparoxítonas. Fiquei distante de palavras mais fáceis.

Há quem diga que o estrabismo resulta de uma divergência entre os pensamentos do pai e da mãe. Então, por terem visões de mundo muito diferentes, a criança deles nasceria com um olho direcionado para cada lado.

Às vezes oposto, às vezes cruzado.

O estrabismo tem duas modalidades: divergente e convergente. A primeira é a dita dos olhos distraídos, enquanto um vê o céu, o outro contempla o mar. Já a segunda é a dos olhos desconfiados. O olho bom olha um lugar, o mau, desconfiado, olha para ele e pergunta - tá olhando o quê?

Eu tenho o segundo tipo. Olho desconfiado.
Sou exemplo vivo de que é necessário deixar o esquerdo livre, olhando para onde for, onde quiser e que o outro olhe para onde ruma o olhar, sem tentar distrair ou regular o horizonte alheio.

Desde criança minha visão pesa. Minhas lentes têm que ser grossas e o preço que pago inclui também o efeito dos olhos gigantes. Odeio esse efeito.

Isso me torna um grande crítico. Cuzão. Além de ficar observando as observações dos outros, ainda fico esmiuçando e colocando lentes de aumento nessas críticas.

Não gosto de ser crítico. Isso tem um quê de antipatia. Odeio antipatia. Sou legal.

Apesar dos olhos cilindro e acrílicamente esbugalhados, sou simpático. Gosto de sorrir, cumprimentar com bom humor, fazer onomatopeias e imitações de vozes. Sou da zoeira e não da desconfiança.